Tieko Kihara foi uma vítima de primeiro grau, segundo consta em seu documento recebido pelo governo japonês. Isso quer dizer que ela esteve há menos de 3,5 quilômetros do epicentro da explosão de Hiroshima. Na época, pouco antes da bomba cair sobre a cidade em que vivia, Tieko freqüentava o “jyogakkou”, escola só de meninas, equivalente ao colegial brasileiro. Tinha 17 anos e também trabalhava na fábrica de peças da Marinha japonesa na qual dividia a jornada de trabalho de oito horas diárias com outras duas meninas. Dividindo o tempo entre a escola e o trabalho, Tieko conseguiu passar na faculdade “Hiroshima Jyoshi Senmon Gakkou”.
A matrícula era no dia primeiro de agosto de 1945. Mal ingressou na vida acadêmica, teve de largar os estudos. No quinto dia de aula, na reunião matinal de alunos e professores no ginásio, ela viu um grande clarão. “Parecia um flash muito reluzente de câmera fotográfica, uma luz seguida por um barulho ensurdecedor. Depois veio um vento tão forte que foi destruindo as estruturas do ginásio. Acostumados com treinamentos em situações de bombardeio, todos correram para baixo de suas mesas. Mas o ginásio começou a desabar e os alunos correram para fora, desesperados. Uma amiga minha, que tinha chegado atrasada, estava sentada na parte de trás do ginásio. A vidraça estilhaçada pelo impacto da explosão perfurou o seu rosto. Todos gritavam. Ninguém sabia o que estava acontecendo.”
“Parecia o fim do mundo”, relembra Tieko. Por sorte ela não sofreu ferimentos graves na queda do ginásio e levou a amiga para fazer curativos. À medida que se aproximava do hospital, ela observava mais e mais vítimas. “Muitos estavam desfigurados pelas queimaduras, com pedaços da pele do rosto e dos braços pendurados, pedindo ajuda, pedindo um gole de água”, afirma.
Quando chegou em casa, somente à noite, os pais estavam muito preocupados. Seu irmão Hiroshi ainda não tinha voltado. Ele tinha 12 anos e trabalhava quebrando casas, um serviço comum na guerra. Como os bombardeios eram freqüentes, o serviço prevenia incêndios muito grandes, pois as casas, naquela época, eram todas de madeira e grudadas umas nas outras.
“Meu irmão estava trabalhando muito perto do local onde a bomba explodiu. Suas costas e seu rosto estavam totalmente queimados. Levaram-no para o hospital, mas ele escapou de lá no dia seguinte, de manhã bem cedo. Isso porque à noite, Hiroshi ouviu os médicos conversarem sobre a possibilidade de transferir os enfermos para as ilhas próximas à costa. Isso significava que ele poderia não voltar mais. As condições médicas nas ilhas eram precárias, para ser sincera, era só uma desculpa para abrir mais vagas nos leitos dos hospitais. Na fuga, ele não agüentou caminhar de tanta dor e desmaiou. Por sorte, um professor de sua escola que passava pelo caminho o reconheceu e o trouxe até em casa. Mas infelizmente, após duas semanas, Hiroshi não resistiu e faleceu.”
Ao saber do fato, o pai enlouqueceu. O irmão mais velho já não morava mais com eles porque tinha sido recrutado para a guerra. Ela passava a maior parte do tempo fora de casa. O caçula era a esperança da família. “Após a morte de meu irmão, me mandaram para um templo budista, onde morei por alguns meses até me mudar para a casa de meus parentes, no interior. Casei aos 19 anos e me mudei para o Brasil em 1964 onde vivo até hoje”.
Tieko Kihara, 77 anos, de Hiroshima
Mihoko Ikeda tinha 5 anos quando a bomba atômica caiu a 7 km da região onde morava, em Hiroshima. Ela estava comendo um doce na casa de uma vizinha e a mãe, Atsuko Hirasaki, trabalhava na horta. “De repente escutei o maior barulho que ouviria na vida e vi um enorme cogumelo de fumaça, que misturava tons de preto, cinza, branco e rosa”, conta Mihoko. A casa dela ficava próxima à estrada e ela foi uma das primeiras a ver as vítimas que fugiam do foco da explosão. Queimados e feridos caminhavam moribundos e pediam água para aqueles que estavam sãos. “No começo, a gente dava água em chaleiras de alumínio. Fazia mal, mas a gente não sabia.
Eles queriam. Mas com a grande quantidade de pessoas que chegavam, tivemos de trocar por um balde”, conta. Próximo a sua casa, havia um templo que foi usado como abrigo para os feridos que não conseguiam mais andar. “A gente tinha pouca comida. Havia batata doce na nossa horta, mas não dava para preparar de um jeito gostoso. No fim, a gente comia muita batata e só um pouquinho de arroz” diz. Ela chegou ao Brasil em 1957 e hoje vive com a família. Em 2003, quando viajou ao Japão, conseguiu uma carteira de vítima da bomba e passou a receber os benefícios referentes.
Mihoko Ikeda, 65 anos, de Hiroshima